Sambista bom de bola

Ederaldo Gentil: um sambista que quase foi jogador do futebol. André Catimba, ex-Vitória e Grêmio, fala sobre a fase boleira do amigo.

“Ederaldo era uma meia destro competente, com muita virtude e categoria. Poderia certamente ter vingado no futebol”. A frase acima é do baiano André Catimba, ex-jogador e ídolo das torcidas de Vitória e Grêmio, sobre o amigo e parceiro nos juniores do Guarany-BA.

Na juventude, quando já trabalhava como relojoeiro e começava a se arriscar no samba, Ederaldo também tentou a sorte como jogador de futebol na base do Guarany-BA. Foi lá que encontrou André, ambos por volta de 14, 15 anos, com quem manteve a amizade mesmo depois de largar o futebol para se dedicar ao samba.

“A gente sempre batia muito papo no Tororó, no Engenho Velho. Era uma amizade fiel. Ederaldo era um cara que não tinha maldade, nota 10. Comigo era sempre alegre, sorridente, difícil ver ele zangado. Quando ele venceu no samba, bati muita palma para ele. Tinha que respeitar. Era um compositor da porra!”.

André ainda diz que a carreira de músico era mais respeitada na época do que ser um jogador profissional, o que pode ter colaborado para Ederaldo ter desistido do futebol e apostado todas as fichas na carreira musical.

“Éramos muito novos. Naquele tempo, quem jogava futebol era meio visto como ‘capitão de areia’, ‘moleque’. Nossos pais não queriam deixar que a gente jogasse futebol. Eu mesmo continuei no futebol porque quando fui para o Ypiranga o diretor do time pagava meu colégio”.

Abaixo, leia a transcrição da matéria publicada em 1979 pelo jornalista Coelho Fontes no jornal A Tarde, na qual o próprio Ederaldo fala sobre este período como jogador de futebol e o dia em que desistiu da carreira nos gramados para se dedicar ao samba. Veja o arquivo original da matéria completa aqui.

NO GRAMADO

Como profissional do futebol, tendo jogado no Guarany, Ederaldo foi meia-esquerda, atuou na meia-cancha e como médio volante. É provável que no passado o Esporte Clube Guarany não tenha tido uma linha de ataque tão operante quanto aquela, dos finais da década de sessenta: Tião (hoje no Leônico), Ainho, André (atualmente no Grêmio de Porto Alegre), Ederaldo e Dico.

“Grandes companheiros, acrescenta, nem só estes mas igualmente o resto do time. Me lembro de um gol histórico que fiz contra o Ypiranga. Gol da vitória. Ganhamos por dois tentos a um”.

O sambista no entanto se afastaria do futebol, cuja carreira foi relativamente rápida, por várias razões, acima de tudo porque um time pequeno não lhe poderia assegurar boas condições financeiras. Quando recebeu convite do Esporte Clube Vitória para integrar o plantel rubro-negro já andava um tanto desiludido com a bola, com a idéia de mudar de ramo, dedicar-se mais à música. Já compunha seus sambas, tocando e cantando com amigos em serenatas e nas reuniões em casas e encontros de bares, nas noites da Bahia.

Por outro lado, havia sido vítima de uma séria pancada na perna num jogo contra o Vitória no Campo da Graça, que por pouco não o inutiliza para o esporte e para a vida.

“Ainda cheguei a treinar no time rubro-negro, à época tendo Albino Castro como presidente. Aliás Albino não era apenas o dirigente máximo de uma agremiação esportiva que me fazia um convite, mas um amigo, ex-patrão com quem eu havia trabalhado numa casa de jóias”.

No dia mesmo em que recebeu a forte pancada na perna e quando o massagista entrou em campo para lhe aplicar massagens não levando senão pedaços de gelo (nem mertiolate carregava), Ederaldo decide abandonar o futebol de uma vez por todas. Pena para o grande esporte brasileiro que perdia um atleta que muito prometia. Em compensação o samba brasileiro muito iria se aproveitar, já que o rapaz a este iria dedicar-se de corpo e alma.

Ederaldo recorda ter sido justamente durante a sua fase esportiva que teria a sua grande chance na área musical.

“Naquela época eu havia colocado uma das minhas músicas em concurso patrocinado pela desaparecida Sutursa. O concurso foi realizado num sábado. No domingo joguei contra o Fluminense de Feira. Uma das minhas melhores atuações em cancha. Fiz o que chamamos em linguagem esportiva um “gol de placa”, isto é, um gol de mestre. Apesar de que perdemos a partida. Mas a torcida e os colegas vibraram com meu desempenho”.

Na segunda-feira os jornais comentariam em grandes espaços o belíssimo tento de Ederaldo, enquanto o jogador voltava à sua faina na oficina de relógios. Lilito, um amigo seu, chegando ao balcão onde o aprendiz de relojoeiro atendia clientes, o parabeniza.

“Imaginei que ele se referia ao gol. Eram muitos os parabéns que eu estava recebendo desde que varara espetacularmente a meta do Fluminense de Feira. Lilito então disse que se referia à minha música, comentada pelas estações de rádio como tendo recebido o prêmio maior da Sutursa”.

Chamava-se “Rio de Lágrimas” a composição classificada. E o prêmio, de quinhentos cruzeiros mais a gravação.

“Corri numa banca de jornais, comprei um e verifiquei a verdade da notícia. Foi a partir daquele exato momento que definitivamente me entreguei à música”.

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