Entrevista com Ederaldo Gentil em 1989

Faixa a faixa: Ederaldo Gentil fala sobre a criação de alguns dos seus maiores sucessos; leia

Transcrição de entrevista dada por Ederaldo Gentil ao programa de rádio do jornalista Perfilino Neto, cedida à época do lançamento da coletânea “Vento Forte” (1989), lançado pela gravadora Continental, mesclando músicas dos seus dois primeiros discos.

Na entrevista, Ederaldo fala sobre o processo de criação de algumas de suas principais composições. Transcrição feita pelo cineasta Josias Pires e cedida ao Acervo Ederaldo Gentil. Nossos agradecimentos a Josias e Perfilino por ceder o material.

Faixa 01 – Vento Forte

Ederaldo: “Bem amigos, quem vos fala é Ederaldo Gentil, um compositor e intérprete nascido nos arredores de Salvador, nasci no Largo 2 de julho me criei no Tororó, oriundo de Escola de Samba, no início de minha carreira lá pelos anos de 68, e de lá pra cá foi a vida sempre dedicada à música baiana.

“Vento Forte” é uma música feita em parceria com Eustáquio Oliveira, que é um amigo meu que tem uma oficina de autos e na época ele mexia sempre no meu carro. Daí, ele me mostrou um dia algumas músicas. Nenhuma daquelas que ele havia me mostrado havia batido. E no dia que eu estava viajando, no aeroporto, ele foi falar comigo. E falou sobre o Vento Forte.

E aquilo foi mais forte, a ideia do vento forte. Depois do Rio, a gente voltou a se falar e aí nasceu essa música “Vento Forte” que tem uma influência afro. Ela é completamente uma música com batidas afro e o pensamento é afro também. A história é afro, é uma coisa de lenda de candomblé”.

 Faixa 02 – De Menor 

Ederaldo: “Bem, o ‘De Menor’ já foi uma música que fiz inspirado basicamente na música “O Ouro e a Madeira”. Porque o “O Ouro e a Madeira” foi uma música que me marcou bastante, e aí escutando “O Ouro e a Madeira”, vendo a forma daquela criação nasceu o “De Menor” que é uma outra música com a mesma formação de “O Ouro e a Madeira”, só que com palavras diferentes, mas a mesma coisa .

Teve uma gravação feita pelo Conjunto Nosso Samba e muitos outros grupos gravaram. Noite Ilustrada gravou De Menor. Tem a introdução em flauta doce feita por Altamiro Carrilho. Tem um naipe de músicos muito bons, tem o Dino Sete Cordas, Del Ryan, Altamiro Carrilho, Marçal, e uma turma que na época estávamos todos juntos e conseguimos gravar De Menor, que é uma música que acredito tem ela tenha marcado muito”.

 Faixa 03 – Samba, Canto Livre de um Povo

Ederaldo: “O ‘Samba Canto Livre de um povo’ foi uma música que fiz em parceria com Edil (Pacheco). Na época eu, compositor da Escola de Samba Filhos do Tororó, havia discordado de alguns pontos lá do presidente e me afastei. E daí, fui requisitado para fazer sambas enredos para outras escolas. Terminei nesse ano fazendo nove e entre esses nove tem esse com Edil chamado ‘Samba, Canto Livre de um Povo’, que foi uma homenagem da escola de samba Juventude do Garcia ao Samba. É uma música que me traz de volta ao passado, muito marcante na minha vida de compositor”.

Faixa 4 – Rose

Ederaldo: “Muitas pessoas pensam que Rose era alguma mulher minha ou foi algum caso na minha vida. Foi um caso, mas foi um caso assim muito especial, uma coisa … Rose é a minha irmã mais velha. Uma pessoa assim que na ausência da minha mãe ela segurou todas as barras. E daí nasceu essa música que foi feita em parceria com Nelson Rufino numa viagem de ônibus para o Rio de Janeiro, pensando em minha irmã, e falei para ele. Rose nasceu na Bahia, mas foi criada no Rio”.

Faixa 5 – In-Lê-In-Lá

Ederaldo: “ ‘In-Lê-In-Lá’  é uma outra volta minha ao samba enredo da Escola Filhos de Tororó, em 1973, onde a homenagem era feita a Menininha do Gantois. Foi um samba enredo com muitas polêmicas, muitas discussões, porque eu estava vencendo quase que seguidamente na escola de samba e existia uma oposição pra derrubar o meu samba. E eu consegui fazer com que esse samba fosse vitorioso e eu fiquei muito feliz porque esse samba a Bahia toda cantou. Todo o pessoal que participou de escola de samba conhece, então foi uma coisa que me marcou muito”.

Faixa 6 – Ladeiras

Ederaldo: “Na minha condição de baiano nascido no centro da cidade, eu conheço todos os becos, todas as vielas que tem aí em Salvador e também por ter jogado futebol na várzea em vários clubes: jogava no time de Brotas, jogava no time do Garcia, dos Barris. Eu era obrigado a estar em todos os buracos. E na minha condição de sambista, compositor de sambas enredos, também todos os lugares onde tinha samba eu tava lá. No morro, na favela, fosse no Sobradinho, fosse onde fosse Ederaldo Gentil chegava. Daí essa intimidade de conhecer nomes de ruas, essa coisa toda.

Daí, fiz uma música homenageando uma das coisas mais importantes da Bahia que são as ladeiras. E sou daqueles que quando vê uma ladeira fico olhando, vendo, porque aquilo ali pra mim é um transporte que faz com que a gente se desloque sem nenhum ônus, muito pelo contrário, a gente se desloca ganhando, porque a gente malha, uma malhação natural, a gente encontra com cada figura.

E ainda tem o jogo de cintura. Quer dizer o baiano … outro dia tive pensando que a dança pro baiano é natural, todo baiano é obrigado saber dançar porque já vem do jeito que você é obrigado pra sobreviver mesmo, quer dizer, tem que seguir adiante e ter jogo de cintura. E quando não tem as ladeiras colocam. Então, a minha homenagem às ladeiras”.

Faixa 7 – O Ouro e a Madeira

Ederaldo: “ ‘O Ouro e a Madeira’ foi assim …

Quando iniciei a minha carreira fui observando as coisas, onde encontrava as barreiras mais difíceis. E o ‘ouro e a madeira’ foi a música que chegou pra me dar o que precisava no momento como autor. Eu vinha de uma batalha, mas não tinha uma nenhuma música que tivesse acontecido.

O autor, seja em qualquer área, pintor, escritor, tem que ter uma obra que marque. O ‘ouro e a madeira’ me marcou, uma música que fez sucesso em todo o país. Me trouxe conceito entre os autores, trouxe conceito entre o habitat musical. Música que dedico a toda a humanidade, realmente é o meu pensamento é que as coisas são dessa forma mesmo. Então é uma música que me sinto muito feliz com ela”.

Faixa 8 – Berequetê

Ederaldo: “ ‘Berequetê’ é uma música que foi me dado esse refrão pela minha mãe, Dona Maria José de Souza, que já foi, dona Zezé. Foi de um Festival da Televisão Itapoan … eu precisava de uma música para colocar no festival e depois de muita busca nasceu ‘Berequetê’, que foi a minha primeira música gravada em nível nacional, foi gravada por Jair Rodrigues, ‘Berequête’ e ‘Alô Madrugada’, essa em parceria com Edil (Pacheco)”.

Faixa 9 – 2 de Fevereiro

Ederaldo: “ ‘Dois de Fevereiro é outro samba enredo feito para a Escola de Samba Filhos do Tororó.  Homenagem ao dia 2 de fevereiro. Foi uma música que procurei criar um cartão postal, colocando todos, se não todos colocando as mais importantes manifestações culturais, como o samba de roda, tem maculelê, tem dança, tem o afro todo dentro daquilo que realmente é a característica das festas baianas. Foi um samba enredo vitorioso que me deu muita alegria”.

Faixa 10 – Manhã de um novo dia

Ederaldo: “ Uma música feita com Edil (Pacheco), que foi gravada por Jair, eu também gravei no meu primeiro disco. É uma música daquelas que a gente faz pela madrugada, porque sou muito da noite também, sempre tô na noite porque é na noite a gente encontra muitas pessoas que fazem arte que você precisa ver, conversar, pra saber até onde é que a sua cabeça está acompanhando as coisas. Foi uma música em homenagem a isso e também a esperança de um novo dia”.

Faixa 11 – Dia de Festa

Ederaldo: “Outro samba enredo feito para a Escola de Samba Filhos do Tororó. Tororó lançou o enredo ‘Dia de Festa’, fiz esta música, disputei internamente, foi a música vitoriosa e depois vencemos na avenida também com este samba enredo.

Uma música que me reporta muitas alegrias. Eu falo e sinto …. volto para aquele tempo que era um tempo muito bonito.  Hoje, a música a gente chega e encontra a facilidade de mostrar, encontra a facilidade de colocar, naquele tempo já era mais difícil. O samba enredo era uma disputa, era uma disputa, era uma batalha, era uma guerra numa quadra, como é até hoje no Rio de Janeiro, na Bahia também o era. Era guerra de bairros e mais bairros que se deslocavam até a quadra para torcer por uma música e eu tinha que ter energia para segurar essa carga toda pra poder vencer e ver a minha música, porque a única possibilidade que eu teria de ver a minha música sendo executada era competindo. O samba enredo na minha vida é tudo. Ele que me deu a base, me deu a voz não muito bonita, sou mais intérprete, mas tenho uma voz forte procuro cantar para que a pessoa me escute e isso aí ganhei na escola de samba. Aliás, foi tudo na escola de samba. Foi a minha escola da vida”.

Faixa 12 – Barraco

Ederaldo: “ ‘Barraco’ foi uma música inspirada na minha própria vida, porque morei num verdadeiro barraco em Brotas, que tinha todas essas características colocadas na música, era tudo isso mesmo. Mas era um barraco onde eu tinha uma felicidade muito grande.

Eu podia tá em qualquer lugar, mas ficava com uma coisa me futucando para que eu fosse pra casa, para aquele barraco, mesmo assim sem água. Era impressionante, eu ficava me coçando,  quando eu entrava em me sentia feliz.

Então é uma música, como todas as minhas músicas, que foram inspiradas na minha vida, no meu cotidiano, nas coisas que eu via, que presenciava. ‘Barraco’ foi pra mim uma música de muita felicidade”.

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