Disco

Raridades (1968 – 1981)

Crítica de álbum

Por Luisão Pereira* Em 1989, Ederaldo apareceu em minha casa com uma caixa de sapatos que continha uma porção de fitas antigas, perguntando se eu poderia guardá-las. Recebi a caixa e, como um bom guardador de tralhas que sou, pus…

Por Luisão Pereira*

Em 1989, Ederaldo apareceu em minha casa com uma caixa de sapatos que continha uma porção de fitas antigas, perguntando se eu poderia guardá-las. Recebi a caixa e, como um bom guardador de tralhas que sou, pus num quartinho junto a outras coisas minhas.

Tive algumas mudanças: Rio de Janeiro, em duas casas, e anos depois Salvador novamente. Mas sempre levando comigo a caixa de fitas do meu tio.

Hoje, 28 anos depois, me pego fazendo este projeto dele. A ideia original do projeto era lançar a discografia com os três LPs que ele gravou durante a carreira. E aquela caixinha de fitas? Fui dar uma olhada no que tinha. E, no meio de gravações diversas (até fitas humorísticas), descobri algumas pérolas. A primeira era uma fita que tinha escrito “Feira do Rolo para Alcione”, na qual Ederaldo com o gravador caseiro dele, voz e violão, canta alguns esboços da canção e, por fim, toca “Feira do Rolo” na íntegra. Alcione a gravou em 1977 no disco “Pra que Chorar”.

“Maria das Graças” foi outra também vinda do gravador caseiro dele. Depois vieram mais fitas com as primeiras gravações em estúdio e outro material com gravações raras. Fui para o estúdio onde estávamos masterizando em Araras (RJ) e lá conseguimos minimizar os ruídos e outros contratempos que o tempo trouxe para as fitas. A partir daí não tive dúvida que tínhamos um quarto disco para o projeto, o “Raridades”.

Luisão Pereira é músico, produtor e sobrinho de Ederaldo Gentil.


Adeus Amor / chegou a hora
É de manhã / tudo acabou / eu vou embora
Terminou a minha alegria / a realidade vai chegar
Guarde este beijinho como lembrança / Se Deus quiser, ainda hei de te encontrar

Adeus Amor


Como é tão lindo recordar a história dos carnavais
Do entrudo e seus costumes nos seus variados naturais
Dos limões de cheiros e das bisnagas, das seringas, dos baldes d’água
Lindas flores artificiais, fantasias de gitanas de bonchalas indianas
De mouriscos orientais
Ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô

Ao nascer de uma nova aurora o entrudo foi embora
Chega o rei e com ele os carnavais
Lá lá lá rá rá rá lá rá lá rá
Os grandes bailes sociais, o Grêmio das Carolinas
Os grandes grupos corais, lindas odaliscas, colombinas e pierrôs
Do Zé Pereira / o bombo ensurdecedor
Lá lá lá rá rá rá lá rá lá rá

O Abre alas, o Bola preta, Chuva de prata, Rouxinol
Das Mimosas cravinas, do Mimoso Manacá
Do Kananga do Japão, do Ameno Resedá
Do bloco Bumba meu boi, do bloco da Mocidade
Do famoso Guarani, do bloco da Liberdade
Chilenos de São Clemente, Flor do Andaraí
Das batalhas de confetes, do clube infantil Colomi
Ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô

Como é tão lindo recordar os carnavais de vovó e de vovô
Hoje não são iguais como aqueles que o tempo levou
Do lança-perfume que me traz recordação
Confetes e serpentinas espalhados pelo chão
(Um mascarado chorando na certa com saudade de alguém
Fantasiados cantando, saudades eu sinto também)
As escolas de samba desfilando, do povo feliz a cantar
Lê lê lê lê lá lá lá lá lá lá lá
Como é tão lindo recordar.

*Samba-enredo tema da Escola de Samba Filhos do Tororó (Salvador) para o carnaval de 1968

Fonte: Publicado no jornal Estado da Bahia, de 8 de fevereiro de 1968, página 6.

Obs1: Letra encontrada pelo pesquisador Luiz Américo Lisboa Junior e gentilmente
transcrita para o Acervo Ederaldo Gentil.

Obs 2: Neste samba Ederaldo cita inúmeras entidades carnavalescas do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia.

Obs 3: O verso em parênteses consta da letra original, mas foi suprimida da gravação.


Meu Brasil que eu amo tanto / E pelas notas musicais
Cantamos em louvor a uma raça / pelas passarelas principais
Brasil, quem lhe fez esta beleza / quem lhe deu tanta riqueza
Quem lhe fez gigante em potencial / lembrar que os negros em lamento
Expressavam os seus sentimentos / no seu canto responsorial

Liberdade / Liberdade, senhor / Liberdade / A liberdade chegou

Depois de tantas lutas enfrentadas / das revoltas e dos quilombos
Do banzo e da opressão
Os negros se libertaram / e hoje são orgulho da nação
A importância da cultura / na vida desse povo varonil
O Tororó emocionado
/ canta em louvor à raça negra do Brasil


Vem meu amor / para o meu lado
Vem meu amor / pra o bloco meu
Deixe a tristeza de lado / vem que a alegria apareceu

Vem, meu grande amor / vem que Os Corujas chegou
A avenida está toda enfeitada / pra ver Os Corujas passar
Vou vestir a minha fantasia / me enfeitar de alegria / nos Corujas vou brincar


Oiá, oiá / oiá quem já nasceu pra cantar

Canta o seu canto livre / assim como as aves em pleno verão
Se mira no exemplo do vento / que transforma o tempo fazendo canção
As palmas dos coqueirais / batendo ecoam cantigas de paz
Sentindo saudade da tarde / se indo e com ela o dia se vai, oiá

Canta que as ondas do mar / também cantam na areia
Canta que as águas da fonte / só vivem a cantar
Embora o seu peito / só cante um canto sofrido
Pega a viola e ponteia / que eu canto contigo


Em riqueza e santidade / só se deve acreditar / na metade da metade
Já vi santas mentirosas / outras tantas de bondade
Ricos só de fantasias / outros tantos de verdade
Sou igual a são Tomé / eu quero ver pra fazer fé / pra dizer minha verdade

E na dor e na saudade / só se deve acreditar / na metade da metade
Já vi riso de tristezas / também prantos de euforia
Sentimentos que nem morrem / no nascer do novo dia
Toda ausência é atrevida / toda dor é esquecida / na tristeza ou na alegria

E no amor e na amizade / só se deve acreditar / na metade da metade
No morrer das ilusões / vejo só de falsidade
A loucura ser paixão / união ser divindade

Eu já vi amor velhinho / se perder na eternidade
Felicidade e liberdade / na verdade, na verdade
Só se deve acreditar / na metade da metade


Quem tem prato vazio / não enfeita a mesa
Quem tem muita tristeza / não enfeita a rua
Quem tem pecado novo / não cultiva o velho
Quem quer muita verdade / se perdeu na sua

Quem tem a mão macia / não carrega medo
Quem tem a faca cega / não lhe nega o pão
Quem guarda os segredos / tem a liturgia
Passeia pelo fausto / dessa sacristia

Quem fala bem macio / acaba ouvindo alto
Quem tem a dor urbana / é o cidadão
Quem mata de gravata / tem o seu perdão
Quem tem a vau da vida / vai na contramão

Quem tem poucos minutos / pra fazer a ceia
Quem tem sua marmita / bem policiada
Demora ir aberta / o calor da ceia
Mantém a voz bem alta / e não canta nada
Não é rato nem gato / nem homem nem nada


Em qualquer embarcação / eu vou navegar
Vou seguir a procissão / vou fazer preces no mar
Em qualquer embarcação / eu vou navegar
Vou seguir a procissão / vou fazer festa no mar

Junto ao senhor navegante / vou pelas ondas do mar
Ver Nossa senhora / ver Nossa senhora

Vou bem junto à galeota / minha fé que me conduz
Eu vou ver Nossa Senhora / receber Senhor Jesus
Na praia da Boa Viagem / junto ao Monte Serrat
Ano novo que ora chega / ilumine o seu altar

Bom Jesus dos Navegantes / me livre das ondas do mar
Das ondas da terra / eu sei me livrar


Vem que a feira é de rolo / vem quem tem pra rolar
Quem tiver faz o troco / quem tem para trocar

Troco um carrilhão dourado / que marca o tempo e o dia
Por um cuco que ao menos / funcione a melodia

Troco louças de faiança / por um fio de esperança / de brilhar um lindo dia
Só não troco meu sorriso / pois não é de fantasia

Vem que a feira é de rolo / vem quem tem pra rolar
Quem tiver faz o troco / quem tem para trocar

Troco lindas pedrarias / miçangas troco a granel
Por um riso de alegria / por um livro de cordel
Troco brasões, pratarias / menorah e samovar
Por uma qualquer poesia / por uma razão popular
Só não troco este meu canto / forma de eu desabafar


Depois que Maria da Graças foi embora
Não tenho graça na vida / a vida pra mim é sem graça

Toda hora escuto um cadê
A graça que eu tinha no riso / a graça que eu tinha em meu ser
Como posso eu / viver com graça
Se já não tenho Graça / em meu viver

Um dia é Maria Aparecida / no outro é Maria José
Depois vem Marias da vida / Das Dores / Dos Prazeres / Maria, mulher

E assim eu vou seguindo / esta vida é uma farsa
A minha vida sem Graça / Não tem graça

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