Disco

Por Paquito*

O primeiro LP de Ederaldo talvez seja o seu melhor disco em se tratando do nível equânime dos sambas, com arranjos que incluem regional e cordas, acentuando o tom melancólico das canções do artista. Foi gravado no sudeste do país, num tempo em que ainda não havia a produção local, mais frequente, de discos na Bahia, proporcionada pelo mercado da axé music. O disco abre com um samba dolente e queixoso de saudade em forma de carta – ou carta em forma de samba, A saudade me mata, contando não amenidades, mas notícias emocionais.

“Doze de março chuvoso de 73     

Que esta lhe encontre em gozo de felicidade”

A seguir, versos com rimas de palavras iguais, um procedimento arrojado com a palavra tempo e suas significâncias sutis.

“Se não escrevi há mais tempo

Foi o próprio tempo que não me deu tempo”.

Na segunda parte, a melodia ascendente dá novo fôlego à canção, no verso “quando cheguei era manhã”, como se esta manhã fosse um aparente alento à situação do desterrado.

Os sambas de celebração e sambas enredo (Samba, canto livre de um povo – com Edil Pacheco-, Fevereiro eu volto – com Eustáquio de Oliveira- e Dia de festa) se alternam com Pam-pam-pam, (parceria com Batatinha, em que a melancolia é suportada e superada pelo canto e pela palavra Aruepan, canto pra subir, como se diz na Bahia), Eu e a viola, a viola e eu (mais um samba de desterro, em que se diz “Nem mesmo eu tenho a mulata de quem eu me enamorei (…)/ se é de má companhia eu sigo só”), Meu barraco e o clássico O ouro e a madeira, provável motivo da Chantecler ter produzido esse disco, por conta do sucesso da canção na gravação do grupo Nosso Samba.

Além de sambas de Walmir Lima e Jandiro Aragão (Miro, Pandeiro de Ouro) e Edil Pacheco e Paulinho Diniz (Amargura), Samba, canto livre de um povo traz uma parceria de Ederaldo e Nelson Rufino em Rose (arrojado melodicamente e, no dizer de Jaime Sodré, samba psicanalítico). O LP fecha com a pérola Ladeiras, composição de Ederaldo, em que o elemento humano nas ladeiras de Salvador apenas se supõe, pois no refrão “é pau, é pedra, é pedra é pau/ cascalho subindo o degrau”, Ederaldo dá vida ao próprio cascalho. Aqui Ederaldo faz um passeio pelos bairros da velha e acidentada Salvador, só citando os nomes das ladeiras, plenos em humanidade (“Desterro da Solidão”, “Perdões do Calabar”, “Saberes da Conceição”…).

*Paquito é músico, produtor e pesquisador.